Portela, Gondesende e Oleiros são três aldeias enquadradas no Parque Natural de Montesinho, onde paisagens deslumbrantes são pintadas por matas de castanheiros e carvalhos e alguns pinheiros e carrascos. O rio Baceiro corre por estas terras com as suas águas cristalinas e geladas. Outrora faziam-se grandes pescarias de trutas no rio, que serviam de alimento para estas gentes.
As gentes da freguesia de Gondesende sempre levaram uma vida dedicada à agricultura, ao trabalho da terra, faziam a recolha do feno, a acarreja, a cegada, a malha. E à criação de animais, como bois, vacas, ovelhas, cabras, porcos, galinhas, coelhos.
“Vive melhor agora o pobre do que o dantes o rico.” Infância Gonçalves, 84 anos - Portela
“Quase todos tinham rebanho de ovelhas. Havia sempre uma pessoa da casa que vinha atrás do gado para que os lobos não o levassem.” Emília Pires, 88 anos - Portela
“Íamos apanhar folhas de negrilhos para dar aos porcos e aos vitelos pequenos.” Maria Assunção Gonçalves, 81 anos - Portela
Antigamente havia entreajuda entre os habitantes de cada aldeia. As pessoas eram muito unidas e executavam as tarefas agrícolas à torna-jeira. Quando era necessário cuidar do que era comunitário o povo unia-se. O conselho da aldeia decidia o trabalho a fazer e qual o dia.
“antigamente as pessoas eram muito mais unidas, hoje já não é assim…” opinião partilhada por muitos habitantes da aldeia de Portela
“O meu pai era alfaiate e ia a casa dos fregueses. Tinha sempre uma pessoa amiga onde ficar. Uma vez foi para Lagomar e as casas não tinham quartos como hoje e dormiu na cama com o marido e a mulher. As amizades eram verdadeiras.” Maria do Rosário Rodrigues - Portela
Outrora havia terrenos cultivados por vinhas donde eram retiradas as uvas para produzir bons vinhos. As vinhas desapareceram e deram lugar a matos. Atualmente os vinhos caseiros fazem-se com uvas compradas noutras paragens.
Manda a tradição que se faça a aguardente depois do vinho ferver e de se espremer o bagaço. Nesta tarefa entram em ação os potes. Em cima de duas pedras ou tijolos colocam-se os potes de cobre e chega-se o lume por baixo para cozer o bagaço e produzir a aguardente caseira.
“Dantes o tio Rauta andava com os potes de casa em casa para fazer a aguardente.” Hermínio Tomé, 76 anos - Portela
Pote aguardente
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Pote aguardente
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Antigamente eram raras as casas da freguesia de Gondesende que não tinham pelo menos uma junta de bois ou de vacas para trabalhar a terra. Em Gondesende e Oleiros ainda hoje existem algumas manadas de bois e vacas mirandesas e “cruzadas”. Em Portela ainda existe o rebanho de ovelhas do Lita (Evangelista Gonçalves) e dois pequenos rebanhos de cabras. Era normal ouvir-se por estas paragens o chiar dos carros de bois na azáfama de um dia de trabalho. Com o passar dos tempos as juntas de bois foram sendo trocadas pelas juntas de vacas.
“Na altura da neve as vacas escorregavam e partiam as pernas… As vacas bebiam água nos tanques públicos.” Imperatriz do Fundo Oliveira, 63 anos – Portela
Os animais assumiam um papel fundamental no sustento do povo das 3 aldeias da freguesia. Para trabalhar a terra: as vacas e os bois. Como alimento: os porcos (enchidos e presunto), as ovelhas (carne e leite), os carneiros, as galinhas (ovos e carne), os coelhos. No vestuário: as ovelhas e carneiros (lã). E para vender ou trocar por alimentos na feira em Bragança.
“Naquela altura havia pouco dinheiro e os leitões e galos eram para trocar por azeite e outras coisas que não tínhamos.” Infância Gonçalves, 84 anos - Portela
“Íamos logo de manhã com o meu pai. Depois ele ia ao seu afazeres e nos ficávamos com os vitelos e leitões. Ficávamos lá até desfazer a feira. Uma vez ainda perdi lá um leitão.” Infância Gonçalves, 84 anos – Portela
“Não davam 5 euros por um vitelo. Davam 200 escudos, 300, 500. Quando davam 800 escudos ficávamos maravilhados.” João Pires, 81 anos, Portela
“Íamos à feira a pé com uma junta de vacas e o vitelo ia no meio delas para não se espantar. Um dia um vitelo espantou-se e fugiu. Ainda tivemos de ir saber dele. Partiu a perna.” Infância Gonçalves, 84 anos – Portela
Era normal pedir proteção para os animais ao seu protetor, o S. Sebastião, através de uma missa seguida de procissão e bênção dos animais.
“O padre dizia a missa e depois abriam as portas dos animais para benzer. Dantes morriam muitos animais e pedia-se ao santo protetor dos animais que era o S. Sebastião.” Maria Assunção Gonçalves, 81 anos - Portela
Em Dezembro ou Janeiro fazem a matança do porco. Seguem-se os afamados enchidos e presuntos que depois do fumeiro e da cura são pendurados nas adegas ou guardados nas talhocas para ir comendo ao longo do ano.
O trigo e o centeio eram uma das bases da alimentação. Com eles faziam o pão caseiro, o folar, as alheiras, os cuscus. Havia quem recebesse em grão de trigo ou centeio pelo seu trabalho, como o barbeiro, o médico, o padre, entre outros.
“No fim do ano emprestavam-me juntas de cria para ir buscar o pão de centeio aos meus fregueses. Era como recebia pelo meu trabalho de barbeiro.” Abílio Elias dos Inocentes, 87 anos, Portela
Após a cegada enchiam as tulhas com o grão e a partir daí os moinhos comunitários não paravam de moer. Do rio Baceiro corria a água encaminhada por uma caleira de pedra que fazia rodar os rodízios. Os caminhos para os moinhos eram calcorreados pelos carros de bois e pelos burros carregados de sacos de grão na ida e de sacos de farinha na volta.
A caça era outra fonte de alimento muito apreciada pelo povo destas aldeias. Muitas casas tinham caçadores, e caça também não faltava por aqui, coelhos, lebres, perdizes.
“Eu comecei a caçar em pequeno. Lembro-me que, em certa altura, tinha uma arma de caça velhinha e às vezes não dava folgo. Quando isso acontecia atirava uma pedra. Havia coelhos em todo o lado. Saía de casa para caçar e apanhava 10 a 12 coelhos.” João Pires, 81 anos - Portela
A água canalizada era uma miragem, tal como a eletricidade. As mulheres iam à fonte com os cântaros, primeiro de barro e depois de ferro, buscar água. Muitas vezes, locais de encontro de namoricos. A roupa era lavada com cinza e mais tarde com sabão nas poças e fontes.
A iluminação das casas era feita com recurso a candeias de petróleo ou de azeite.
“As pessoas iam à fonte, não havia água canalizada. Cada pessoa levava dois cântaros. Os cântaros de barro mantinham a água fresca.” Imperatriz do Fundo Oliveira, 63 anos – Portela
No inverno o lume forte da lareira era um fiel amigo. Os serões eram passados no aconchego da lareira a fazer a meia, a fiar o linho, a contar histórias, a enumerar gabarolices e a jogar bilhós à rebulhana, onde os mais espertos enchiam os bolsos.
No verão jogavam ao pião, à bilharda, à porca, ao esconde-esconde (carroucou), ao está quieto, aos jogos de roda, aos jogos do cântaro, à bola nas eiras com chuteiras improvisadas de socos de madeira com solas de amieiro. Nas noites quentes de verão contemplavam as estrelas ou observavam os morcegos.
Os garotos faziam bonecos de pau embrulhados em pano, carrinhos de nabo. Outros mais habilidosos, como o senhor João Alfredo Afonso, faziam brinquedos de madeira.
Os bailes e convívios também animavam estas gentes genuínas.
“Tocavam bandolim e no início realejo. O tio Alfredo tocava, o tio Américo, o meu irmão também tocava muito bem, o Joaquim, o Ernesto. Então fazia-se num domingo, assim que a gente se juntasse começava logo.” Maria Assunção Gonçalves, 81 anos, Portela
Noutros tempos quando a noite chegava os lobos faziam-se ouvir nos montes. Não havia noite em que os lobos não uivassem. Das touças vinha o som das corujas e dos mochos.
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